Interessante artido da lavra do eminente Humberto Theodoro Júnior sobre o projeto dos recursos abora questão com que seguidamente os advgados se deparam em seu quotidiano. Leiam:
Por Humberto Theodoro Júnior,
desembargador aposentado do TJ-MG e advogado
A concepção do papel atribuído ao processo civil evoluiu de uma técnica instrumental de aplicação do direito material (visão primitiva do devido processo legal) para uma garantia de acesso à tutela jurisdicional efetiva, cuja realização não se contenta apenas com o rigor de regras procedimentais, mas que exige um empenho dos órgãos judiciais na realização daquilo que nos últimos tempos passou a se identificar com o "processo justo".
É que o constitucionalismo implantado no atual Estado Democrático de Direito se acha profundamente comprometido com valores éticos, como os de justiça, solidariedade e dignidade da pessoa humana, que não podem ser esquecidos no momento processual da outorga da tutela jurisdicional aos litigantes.
Isto obriga a que haja não apenas um "processo justo" em seus mecanismos procedimentais, mas como garantia, também e sobretudo, de "decisão justa".
Esse desígnio de um processo comprometido com o "justo" é incompatível com o predomínio da técnica procedimental sobre o compromisso substancial de efetiva composição do litígio, a qual somente é alcançada pela adequada aplicação da ordem jurídica material.
Esta, por sua vez, só é viável quando se persegue, no limite do possível, a apuração da verdade fática envolvida no litígio. Desse modo, o processo será justo quando propiciar decisão fundada na verdade da situação fática amplamente perseguida em juízo e na interpretação e aplicação da lei, que lhe corresponda, segundo os princípios e valores definidores da ideologia constitucional.
Daí porque não se pode compreender, dentro da ideologia do moderno Estado Democrático ético, um processo em que predominem soluções frustrantes como as que impõem barreiras formais aos corretos julgamentos de mérito e relegam a plano inferior as dinâmicas de alcance e aprimoramento dos julgamentos realmente pacificadores do conflito de direito material.
O terreno dos recursos, dentro da técnica processual, infelizmente tem sido explorado por litigantes e pelos próprios tribunais com propósitos que nem sempre são elogiáveis nem condizentes, em grande parte, com os desígnios do "processo justo".
O projeto, que teve como primordial intento a explicitação dos princípios constitucionais formadores da ideologia do "processo justo", cuidou, de certa forma, de traduzi-los em regras expressas na disciplina dos recursos. Dentro dessa perspectiva, várias inovações foram estatuídas, tanto para suprimir práticas jurisprudenciais incompatíveis com a função institucional dos recursos na realização de "decisões justas", como de combate a uso abusivo da via recursal pelos litigantes de má-fé.
O art. 961 do projeto mantém o regime de preparo prévio dos recursos, cabendo ao recorrente comprovar, "no ato de interposição do recurso", o pagamento das custas recursais e do porte de remessa e de retorno, "sob pena de deserção".
As falhas (ou supostas falhas) no preenchimento das guias de preparo tornaram-se palco de uma tremenda política de exclusão de recursos, numa orientação que recebeu a curiosa denominação de "jurisprudência defensiva"; esta na verdade não defendia interesses legítimos de ninguém e apenas justificava uma redução drástica da viabilidade dos recursos, principalmente dos endereçados aos Tribunais Superiores.
A critério dos relatores, impunham-se às partes restrições completamente contrárias ao espírito do processo justo, comprometido, sobretudo, com as soluções de mérito e avesso às armadilhas formais de toda natureza.
Bastava, muitas vezes, um simples equívoco na indicação do número do processo, ou procedimento manuscrito de um claro da guia impressa, ou uma divergência quantitativa no recolhimento devido, para que inapelavelmente o recurso fosse inadmitido in limine, sem qualquer oportunidade de esclarecimento ou suprimento das pequenas dúvidas formais suscitadas.
O § 2º do art. 961 do projeto vem, com o propósito claro de coibir essa política abusiva dos Tribunais, declarar que "o equívoco no preenchimento da guia de custas não resultará na aplicação da pena de deserção". Ao contrário, caberá ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, "intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de cinco dias ou solicitar informações ao órgão arrecadador".
O projeto atende a um clamor geral, de que é espelho a doutrina de DANIEL MITIDIERO, formulada com apoio no caráter cooperativo do processo do Estado Constitucional Democrático. Se existe lei expressa permitindo a possibilidade de complementação do depósito insuficiente antes do decreto de deserção, não haveria razão para que o mesmo não fosse observado nos casos de falta de preparo.
Plenamente justificada, portanto, a inovação contida no § 2º do art. 961. A oportunidade a ser dada obrigatoriamente ao recorrente para esclarecer a dúvida ou sanar o vício detectado pelo relator no preenchimento da guia corresponde ao dever de colaboração e prevenção que toca ao órgão jurisdicional em relação aos atos processuais das partes, dever esse que o projeto muito bem prestigia ao definir os "princípios e garantias fundamentais do processo civil", especialmente nos arts. 7º, 9º e 10, onde se institui o contraditório efetivo, a cooperação necessária e a não surpresa, mesmo nos casos em que a matéria comporte decisão de ofício.
Enfim, numa visão panorâmica do sistema recursal, pode se afirmar que o projeto cuidou de aperfeiçoá-lo em três perspectivas principais:
- reduziu o elenco dos recursos admissíveis (eliminaram-se o agravo retido e os embargos infringentes);
- reduziu os casos de cabimento do agravo de instrumento;
- reestruturou os procedimentos dos atuais recursos com o propósito de agilizar sua tramitação e de superar praxes jurisprudenciais incompatíveis com o seu papel dentro do moderno processo justo.
Em suma, como destaca a exposição de motivos da comissão encarregada da redação do anteprojeto, "bastante simplificado foi o sistema recursal". A simplificação, todavia, "em momento algum significou restrição ao direito de defesa".
Em vez disso, o projeto se empenhou na consecução do objetivo de maior rendimento do processo. Conservaram-se avanços já incorporados ao CPC em vigor e deram-se "alguns passos à frente, para deixar expressa a adequação das novas regras à Constituição Federal da República, com um sistema mais coeso, mais ágil e capaz de gerar um processo civil mais célere e mais justo".
contato@htj.com.br
desembargador aposentado do TJ-MG e advogado
A concepção do papel atribuído ao processo civil evoluiu de uma técnica instrumental de aplicação do direito material (visão primitiva do devido processo legal) para uma garantia de acesso à tutela jurisdicional efetiva, cuja realização não se contenta apenas com o rigor de regras procedimentais, mas que exige um empenho dos órgãos judiciais na realização daquilo que nos últimos tempos passou a se identificar com o "processo justo".
É que o constitucionalismo implantado no atual Estado Democrático de Direito se acha profundamente comprometido com valores éticos, como os de justiça, solidariedade e dignidade da pessoa humana, que não podem ser esquecidos no momento processual da outorga da tutela jurisdicional aos litigantes.
Isto obriga a que haja não apenas um "processo justo" em seus mecanismos procedimentais, mas como garantia, também e sobretudo, de "decisão justa".
Esse desígnio de um processo comprometido com o "justo" é incompatível com o predomínio da técnica procedimental sobre o compromisso substancial de efetiva composição do litígio, a qual somente é alcançada pela adequada aplicação da ordem jurídica material.
Esta, por sua vez, só é viável quando se persegue, no limite do possível, a apuração da verdade fática envolvida no litígio. Desse modo, o processo será justo quando propiciar decisão fundada na verdade da situação fática amplamente perseguida em juízo e na interpretação e aplicação da lei, que lhe corresponda, segundo os princípios e valores definidores da ideologia constitucional.
Daí porque não se pode compreender, dentro da ideologia do moderno Estado Democrático ético, um processo em que predominem soluções frustrantes como as que impõem barreiras formais aos corretos julgamentos de mérito e relegam a plano inferior as dinâmicas de alcance e aprimoramento dos julgamentos realmente pacificadores do conflito de direito material.
O terreno dos recursos, dentro da técnica processual, infelizmente tem sido explorado por litigantes e pelos próprios tribunais com propósitos que nem sempre são elogiáveis nem condizentes, em grande parte, com os desígnios do "processo justo".
O projeto, que teve como primordial intento a explicitação dos princípios constitucionais formadores da ideologia do "processo justo", cuidou, de certa forma, de traduzi-los em regras expressas na disciplina dos recursos. Dentro dessa perspectiva, várias inovações foram estatuídas, tanto para suprimir práticas jurisprudenciais incompatíveis com a função institucional dos recursos na realização de "decisões justas", como de combate a uso abusivo da via recursal pelos litigantes de má-fé.
O art. 961 do projeto mantém o regime de preparo prévio dos recursos, cabendo ao recorrente comprovar, "no ato de interposição do recurso", o pagamento das custas recursais e do porte de remessa e de retorno, "sob pena de deserção".
As falhas (ou supostas falhas) no preenchimento das guias de preparo tornaram-se palco de uma tremenda política de exclusão de recursos, numa orientação que recebeu a curiosa denominação de "jurisprudência defensiva"; esta na verdade não defendia interesses legítimos de ninguém e apenas justificava uma redução drástica da viabilidade dos recursos, principalmente dos endereçados aos Tribunais Superiores.
A critério dos relatores, impunham-se às partes restrições completamente contrárias ao espírito do processo justo, comprometido, sobretudo, com as soluções de mérito e avesso às armadilhas formais de toda natureza.
Bastava, muitas vezes, um simples equívoco na indicação do número do processo, ou procedimento manuscrito de um claro da guia impressa, ou uma divergência quantitativa no recolhimento devido, para que inapelavelmente o recurso fosse inadmitido in limine, sem qualquer oportunidade de esclarecimento ou suprimento das pequenas dúvidas formais suscitadas.
O § 2º do art. 961 do projeto vem, com o propósito claro de coibir essa política abusiva dos Tribunais, declarar que "o equívoco no preenchimento da guia de custas não resultará na aplicação da pena de deserção". Ao contrário, caberá ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, "intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de cinco dias ou solicitar informações ao órgão arrecadador".
O projeto atende a um clamor geral, de que é espelho a doutrina de DANIEL MITIDIERO, formulada com apoio no caráter cooperativo do processo do Estado Constitucional Democrático. Se existe lei expressa permitindo a possibilidade de complementação do depósito insuficiente antes do decreto de deserção, não haveria razão para que o mesmo não fosse observado nos casos de falta de preparo.
Plenamente justificada, portanto, a inovação contida no § 2º do art. 961. A oportunidade a ser dada obrigatoriamente ao recorrente para esclarecer a dúvida ou sanar o vício detectado pelo relator no preenchimento da guia corresponde ao dever de colaboração e prevenção que toca ao órgão jurisdicional em relação aos atos processuais das partes, dever esse que o projeto muito bem prestigia ao definir os "princípios e garantias fundamentais do processo civil", especialmente nos arts. 7º, 9º e 10, onde se institui o contraditório efetivo, a cooperação necessária e a não surpresa, mesmo nos casos em que a matéria comporte decisão de ofício.
Enfim, numa visão panorâmica do sistema recursal, pode se afirmar que o projeto cuidou de aperfeiçoá-lo em três perspectivas principais:
- reduziu o elenco dos recursos admissíveis (eliminaram-se o agravo retido e os embargos infringentes);
- reduziu os casos de cabimento do agravo de instrumento;
- reestruturou os procedimentos dos atuais recursos com o propósito de agilizar sua tramitação e de superar praxes jurisprudenciais incompatíveis com o seu papel dentro do moderno processo justo.
Em suma, como destaca a exposição de motivos da comissão encarregada da redação do anteprojeto, "bastante simplificado foi o sistema recursal". A simplificação, todavia, "em momento algum significou restrição ao direito de defesa".
Em vez disso, o projeto se empenhou na consecução do objetivo de maior rendimento do processo. Conservaram-se avanços já incorporados ao CPC em vigor e deram-se "alguns passos à frente, para deixar expressa a adequação das novas regras à Constituição Federal da República, com um sistema mais coeso, mais ágil e capaz de gerar um processo civil mais célere e mais justo".
contato@htj.com.br
Fonte: www.espacovital.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário