O desentendimento havido entre a juíza do Caso Eloá Pimentel e a advogada de defesa do réu Lindemberg Alves, no Fórum de Santo André (SP), no dia 14 de fevereiro, causou perplexidade no meio jurídico, mas, ao contrário do que pensa, não é um episódio incomum nas salas de audiência. Um dia depois, longe dos holofotes da grande imprensa, num caso que não rendeu sequer uma nota de rodapé de jornal, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região julgou uma Exceção de Suspeição suscitada por uma advogada contra a juíza-titular da 4ª Vara do Trabalho da Comarca de Pelotas (RS). Os desembargadores foram unânimes em rejeitar o pedido da advogada, porque não viram na atitude da magistrada risco à imparcialidade do processo. Ao contrário, esta registrou tudo e ainda deu a palavra à procuradora da reclamada, que também fez o registro.
Os fatos que deram ensejo ao pedido ocorreram no dia 6 de setembro de 2011, na 4ª Vara do Trabalho, que é presidida pela juíza Ana Ilca Härter Saalfeld. Na ocasião, estava sendo realizada audiência inicial de uma reclamatória trabalhista, opondo, de um lado, a ex-empregada Leni Noremberg dos Santos e o Instituto de Traumatologia Ortopedia e Reabilitação Ltda.
A advogada da empresa, Cíntia Sacco Costa, afirmou que, após o fracasso da fase conciliatória, a juíza determinou, sem nenhum requerimento, a realização de perícia contábil e perícia técnica. A procuradora, então, questionou a juíza sobre a nomeação do médico, querendo saber se este tinha especialidade em Segurança do Trabalho. Afinal, garantiu, jamais o viu nomeado para perícia técnica, mas sempre para perícias médicas. A juíza teria dito: ‘‘sim, com certeza, pois ele é médico’’. Como o fato de ele ter ou não a especialidade em Segurança do Trabalho importava para impugnar a nomeação do perito, a procuradora requereu que constasse na ata o questionamento feito e a resposta dada. Em síntese, relatou que a julgadora negou o registro de protesto: ‘‘não vou registrar nada’’.
Segundo a versão da advogada, resumida no acórdão, a discussão começou a tomar outro rumo quando a magistrada, diante de reiterado pedido, reafirmou que não faria o registro. Em tom agressivo, alto e irônico, disse: ‘‘doutora Cíntia, não venha dar showzinho na minha audiência; a senhora não está no Tholl [grupo circense de Pelotas]; não é porque a sala de audiência está cheia que a senhora vai dar showzinho’’.
Frente ao destempero verbal, a advogada afirmou que, se o protesto não fosse registrado, não assinaria a ata de audiência. E mais: disse que era a juíza quem estava dando ‘‘show’’. Neste momento, aquela se levantou e, apontando o dedo para o rosto da procuradora, gritou: ‘‘cala a tua boca! Eu lhe tiro a palavra; cala a tua boca!’’. Ato contínuo, a juíza retirou-se para o seu gabinete, batendo a porta com força.
Ao retornar à sua mesa, a procuradora pediu a presença de um representante da OAB. A juíza riu e disse que faria o registro: ‘‘a ata é toda sua doutora, pode registrar o protesto’’. Quando a procuradora já estava no final do relato, solicitou à julgadora que identificasse todas as pessoas presentes à sala de audiência, bem como se desse por impedida. Disse que a juíza negou o pedido sob ‘‘risos’’, afirmando: ‘‘Doutora Cíntia, o teu passado te condena’’.
Diante dos fatos, a advogada Cíntia Sacco Costa considerou rompido o liame de imparcialidade que deve haver entre julgador e processo. Requereu a suspensão do processo e que seja reconhecida a Exceção de Suspeição, com fulcro no artigo 313 do Código de Processo Civil.
A versão da juíza
A juíza do Trabalho Ana Ilca Härter Saalfeld se defendeu. Afirmou que a advogada já entrou na sala de audiência com a intenção pré-elaborada de produzir um impedimento ou criar uma suspeição. Disse que, em face da agressividade, chegou a temer pela sua integridade física.
A magistrada esclareceu que a procuradora bradou ostensivamente, e de forma agressiva, contra a nomeação do agente vistor (perito), que é médico do trabalho. A procuradora queria que o perito fosse médico de segurança. Todo este desenrolar deu-se diante dos estagiários de Direito. Então, no afã de controlar a situação, de forma firme e enérgica, fez ver à advogada que a sala de audiências não era local adequado para o ‘‘espetáculo’’ pretendido.
Na intenção de evitar o confronto, a julgadora comunicou os presentes que buscaria um chá no gabinete ao lado, quando foi provocada: ‘‘é muito bom mesmo que a senhora tome um chá para se acalmar’’. Esta intervenção, segundo ela, foi determinante para pedir que a advogada calasse a boca, por não ter encontrado outro meio de contê-la, a fim de manter a ordem na sala de audiência. Entretanto, disse que é falsa a acusação de que teria apontado o dedo para a procuradora.
Por fim, relatou que seus atos foram pautados pelo poder/dever de direção do processo, que impôs sua autoridade sobre o processo sem qualquer abuso ou desrespeito, destacando que a direção da audiência cabe ao juiz, e não às partes ou advogados. Por isso, não deveria se confundir firmeza e rigor na condução da audiência, característica de sua personalidade, com tratamento desrespeitoso, que teve origem exclusiva no comportamento da advogada.
Assim, a juíza Ana Ilca Härter Saalfeld não reconheceu a sua suspeição, por não restarem configuradas as hipóteses nos artigos 801 da Consolidação das Leis do Trabalho e 134 e 135 do CPC. Juntou abaixo-assinado dos alunos da Faculdade de Direito, declarações de servidores sobre os fatos ocorridos na sala de audiência e de magistrados sobre a procuradora da reclamada.
Nas mãos do Tribunal
O relator da Exceção de Suspeição na 7ª Turma do TRT-RS, juiz convocado Marcelo Gonçalves de Oliveira, observou que tanto a magistrada quanto a procuradora da reclamada se exaltaram, fato, inclusive, reconhecido pela julgadora. ‘‘Ademais, verifico que, ao término da audiência, a magistrada finalizou o embate existente entre ela e a advogada da ré, não sendo o caso de aplicação do artigo 135 do CPC e do artigo 801 da CLT. As manifestações apresentadas nos autos da Correição Parcial (...), com o objetivo de sustentar as razões da juíza e da advogada, não têm o condão de caracterizar a inimizade capital ou pessoal, mas sim o exercício de regular direito de defesa’’, destacou.
Na visão do relator, por ser a suspeição de magistrado para atuar em processos de parte ou de advogado uma medida extrema e rigorosa, a causa de sua declaração deve ser forte e segura, o que não se constata dos autos. Isso porque houve superação do incidente por parte da magistrada, inclusive registrada em ata. E que tal fato não configurou inimizade capital ou pessoal por parte da juíza em relação à advogada.
‘‘As reservas da advogada com relação à magistrada e desta para com a advogada, por suas características pessoais na condução dos respectivos trabalhos, o que se verifica das cópias de peças processuais dos autos da Correição Parcial - fls. 44-54, não são equiparadas à inimizade para determinar a suspeição buscada, mas fator a ensejar esforço mútuo para que impere a urbanidade no tratamento quando dos atos processuais’’, concluiu o relator.
Também rejeitaram a Exceção de Suspeição sobre a titular da 4ª Vara do Trabalho de Pelotas o juiz convocado João Batista de Matos Danda e a desembargadora Maria da Graça Ribeiro Centeno.
Clique aqui para ler o acórdão.
Os fatos que deram ensejo ao pedido ocorreram no dia 6 de setembro de 2011, na 4ª Vara do Trabalho, que é presidida pela juíza Ana Ilca Härter Saalfeld. Na ocasião, estava sendo realizada audiência inicial de uma reclamatória trabalhista, opondo, de um lado, a ex-empregada Leni Noremberg dos Santos e o Instituto de Traumatologia Ortopedia e Reabilitação Ltda.
A advogada da empresa, Cíntia Sacco Costa, afirmou que, após o fracasso da fase conciliatória, a juíza determinou, sem nenhum requerimento, a realização de perícia contábil e perícia técnica. A procuradora, então, questionou a juíza sobre a nomeação do médico, querendo saber se este tinha especialidade em Segurança do Trabalho. Afinal, garantiu, jamais o viu nomeado para perícia técnica, mas sempre para perícias médicas. A juíza teria dito: ‘‘sim, com certeza, pois ele é médico’’. Como o fato de ele ter ou não a especialidade em Segurança do Trabalho importava para impugnar a nomeação do perito, a procuradora requereu que constasse na ata o questionamento feito e a resposta dada. Em síntese, relatou que a julgadora negou o registro de protesto: ‘‘não vou registrar nada’’.
Segundo a versão da advogada, resumida no acórdão, a discussão começou a tomar outro rumo quando a magistrada, diante de reiterado pedido, reafirmou que não faria o registro. Em tom agressivo, alto e irônico, disse: ‘‘doutora Cíntia, não venha dar showzinho na minha audiência; a senhora não está no Tholl [grupo circense de Pelotas]; não é porque a sala de audiência está cheia que a senhora vai dar showzinho’’.
Frente ao destempero verbal, a advogada afirmou que, se o protesto não fosse registrado, não assinaria a ata de audiência. E mais: disse que era a juíza quem estava dando ‘‘show’’. Neste momento, aquela se levantou e, apontando o dedo para o rosto da procuradora, gritou: ‘‘cala a tua boca! Eu lhe tiro a palavra; cala a tua boca!’’. Ato contínuo, a juíza retirou-se para o seu gabinete, batendo a porta com força.
Ao retornar à sua mesa, a procuradora pediu a presença de um representante da OAB. A juíza riu e disse que faria o registro: ‘‘a ata é toda sua doutora, pode registrar o protesto’’. Quando a procuradora já estava no final do relato, solicitou à julgadora que identificasse todas as pessoas presentes à sala de audiência, bem como se desse por impedida. Disse que a juíza negou o pedido sob ‘‘risos’’, afirmando: ‘‘Doutora Cíntia, o teu passado te condena’’.
Diante dos fatos, a advogada Cíntia Sacco Costa considerou rompido o liame de imparcialidade que deve haver entre julgador e processo. Requereu a suspensão do processo e que seja reconhecida a Exceção de Suspeição, com fulcro no artigo 313 do Código de Processo Civil.
A versão da juíza
A juíza do Trabalho Ana Ilca Härter Saalfeld se defendeu. Afirmou que a advogada já entrou na sala de audiência com a intenção pré-elaborada de produzir um impedimento ou criar uma suspeição. Disse que, em face da agressividade, chegou a temer pela sua integridade física.
A magistrada esclareceu que a procuradora bradou ostensivamente, e de forma agressiva, contra a nomeação do agente vistor (perito), que é médico do trabalho. A procuradora queria que o perito fosse médico de segurança. Todo este desenrolar deu-se diante dos estagiários de Direito. Então, no afã de controlar a situação, de forma firme e enérgica, fez ver à advogada que a sala de audiências não era local adequado para o ‘‘espetáculo’’ pretendido.
Na intenção de evitar o confronto, a julgadora comunicou os presentes que buscaria um chá no gabinete ao lado, quando foi provocada: ‘‘é muito bom mesmo que a senhora tome um chá para se acalmar’’. Esta intervenção, segundo ela, foi determinante para pedir que a advogada calasse a boca, por não ter encontrado outro meio de contê-la, a fim de manter a ordem na sala de audiência. Entretanto, disse que é falsa a acusação de que teria apontado o dedo para a procuradora.
Por fim, relatou que seus atos foram pautados pelo poder/dever de direção do processo, que impôs sua autoridade sobre o processo sem qualquer abuso ou desrespeito, destacando que a direção da audiência cabe ao juiz, e não às partes ou advogados. Por isso, não deveria se confundir firmeza e rigor na condução da audiência, característica de sua personalidade, com tratamento desrespeitoso, que teve origem exclusiva no comportamento da advogada.
Assim, a juíza Ana Ilca Härter Saalfeld não reconheceu a sua suspeição, por não restarem configuradas as hipóteses nos artigos 801 da Consolidação das Leis do Trabalho e 134 e 135 do CPC. Juntou abaixo-assinado dos alunos da Faculdade de Direito, declarações de servidores sobre os fatos ocorridos na sala de audiência e de magistrados sobre a procuradora da reclamada.
Nas mãos do Tribunal
O relator da Exceção de Suspeição na 7ª Turma do TRT-RS, juiz convocado Marcelo Gonçalves de Oliveira, observou que tanto a magistrada quanto a procuradora da reclamada se exaltaram, fato, inclusive, reconhecido pela julgadora. ‘‘Ademais, verifico que, ao término da audiência, a magistrada finalizou o embate existente entre ela e a advogada da ré, não sendo o caso de aplicação do artigo 135 do CPC e do artigo 801 da CLT. As manifestações apresentadas nos autos da Correição Parcial (...), com o objetivo de sustentar as razões da juíza e da advogada, não têm o condão de caracterizar a inimizade capital ou pessoal, mas sim o exercício de regular direito de defesa’’, destacou.
Na visão do relator, por ser a suspeição de magistrado para atuar em processos de parte ou de advogado uma medida extrema e rigorosa, a causa de sua declaração deve ser forte e segura, o que não se constata dos autos. Isso porque houve superação do incidente por parte da magistrada, inclusive registrada em ata. E que tal fato não configurou inimizade capital ou pessoal por parte da juíza em relação à advogada.
‘‘As reservas da advogada com relação à magistrada e desta para com a advogada, por suas características pessoais na condução dos respectivos trabalhos, o que se verifica das cópias de peças processuais dos autos da Correição Parcial - fls. 44-54, não são equiparadas à inimizade para determinar a suspeição buscada, mas fator a ensejar esforço mútuo para que impere a urbanidade no tratamento quando dos atos processuais’’, concluiu o relator.
Também rejeitaram a Exceção de Suspeição sobre a titular da 4ª Vara do Trabalho de Pelotas o juiz convocado João Batista de Matos Danda e a desembargadora Maria da Graça Ribeiro Centeno.
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Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 19 de fevereiro de 2012 (www.conjur.com.br)
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