terça-feira, 5 de abril de 2011

Juiz e deputado discutem a corrupção e o Judiciário

O jornal Zero Hora, de Porto Alegre (RS) publica em sua edição de hoje, dois artigos que - dentro do espaço possível - resumem as divergências, as certezas e os temores entre um deputado gaúcho e a entidade de classe dos magistrados do RS.

Jornalisticamente foi brilhante a ideia de reunir, na mesma página (17) as opiniões divergentes e as farpas que trocam o presidente da Ajuris João Ricardo dos Santos Costa e o deputado federal (PSDB) Nelson Marchezan Júnior.

O magistrado nomina o parlamentar como "esse Fernando Collor dos pampas".

O deputado propõe que "abram uma das caixas pretas do Judiciário".

Vale a pena ler os dois artigos. Nesta página, eles estão dispostos na mesma sequência como os colocou o jornal gaúcho.

www.zerohora.com

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A história de cada um

Por João Ricardo dos Santos Costa,
presidente da Ajuris

Marchezan Jr. vem empreendendo
uma crescente postura difamatória
contra a magistratura

Sou um juiz com 20 anos de carreira. Nunca sofri processo criminal, administrativo ou sindicância. Jamais figurei como suspeito em qualquer evento espúrio. Casado, com filhos e gremista, vivi nestes anos de magistratura dedicado à família e ao meu trabalho, sem máculas e transgressões.

Integro uma instituição que recebe a maior demanda judicial do país, a menor taxa de congestionamento processual, a melhor produtividade por magistrado e o mais baixo custo por processo. Nada anormal. Afinal, ser honesto e eficiente é uma obrigação dos agentes públicos.

Não tenho talentos diferenciados, portanto não é uma autoexaltação, mas a descrição de uma sintética história de um cidadão comum. Sou, então, um sujeito normal, no sentido dos parâmetros constitucionais da cidadania. Presido a associação de juízes do meu Estado, uma entidade com 66 anos e a mais antiga do gênero na América Latina.

Seus associados, juízes e juízas, com cônjuges, filhos, e torcedores de clubes de futebol, estão na mesma densidade de cidadania e atuam ou atuaram numa carreira de Estado com alta responsabilidade. São pessoas portadoras de história. As biografias somadas compõem uma espécie de identidade do nosso Judiciário.

Não registramos casos notáveis de desvios, embora habitantes de uma sociedade composta de agentes corruptos e corruptores que brotam de muitos matizes. Sequer estamos dentro das faixas categorizadas como “toleráveis” de corrupção para o setor público, designadas pelos que se debruçam a estudar a criminalidade empolada.

Quanto a isso, a nossa tolerância é zero.

Pois bem, mesmo assim o deputado Marchezan Jr. vem empreendendo uma crescente postura difamatória contra a magistratura do RS. Em programa recente na televisão, repetiu o que já tinha feito em outras manifestações públicas, ao dizer que juízes vendem sentenças.

A conduta é de notável covardia: uma, porque não especifica um caso concreto e coloca sob suspeita todos os membros do Judiciário; outra, porque só o faz por estar protegido pela imunidade parlamentar, que é um instrumento vital para a democracia, mas também de manejo subvertido pelas personalidades truculentas.

Por este motivo, nenhum de nós poderia processar o ofensor, mesmo com a dignidade brutalmente ultrajada. Os danos à credibilidade da instituição são ainda mais gravosos, porque afetam a consolidação da nossa juvenil democracia. Mas seu ódio pela magistratura tem suas motivações. Afinal, foram os juízes que cassaram o seu primeiro mandato por prática de grave ilegalidade em suas credenciais eleitorais.

Usa a outorga popular para vingança pessoal. Felizmente temos solidez institucional para suportar os fragmentos da ditadura que ainda emergem na vida pública tal qual esse Fernando Collor dos pampas.

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Medo de quê?

Por Nelson Marchezan Júnior,
deputado federal (PSDB)
 
Eu tenho medo dos desvairados
que vasculham a minha
vida pessoal e da minha família

Tenho sido atacado pelas corporações mais ricas, poderosas e menos transparentes do setor público. Recentemente, por alguns integrantes da magistratura gaúcha. O motivo: eu disse que a “Ficha Limpa” deveria ser aplicada a todos os poderes e órgãos públicos, pois, assim como existem políticos corruptos, existe a corrupção em qualquer lugar.

Exemplifiquei que se alguns deputados vendem votos, alguns magistrados também o fazem, e trouxe outros exemplos de outras atividades públicas e privadas nas quais há corrupção. Algo de errado? Para alguns magistrados, sim.

Poderia falar das várias formas de corrupção em nosso Judiciário. Mas já o fiz em outras oportunidades e nas ações que movo contra esse e outros órgãos que deveriam justamente coibir os atos ilegais. Vou trazer algumas manifestações de alguns magistrados que com certeza não se sentiriam ofendidos com minhas afirmações.

O ex-corregedor (CNJ) ministro Gilson Dipp afirmou que “a magistratura não tem blindagem contra atos de corrupção e irregularidades”, que “tribunais têm um nível de corporativismo muito além do desejado. Muitos juízes colocam suas ambições pessoais ou aspirações corporativas acima de sua função de julgador”, que as “corregedorias dos Tribunais de Justiça dos Estados... não atuavam condignamente”.

Parece que eu não estou fora da realidade...

Para Veja, a nova corregedora do CNJ, ministra Eliana Calmon, repetiu minhas palavras: “É comum a troca de favores entre magistrados e políticos”. Na última semana, ao revelar a corrupção (na Ajufer – 1ª Região), ela relatou ameaças de morte entre os magistrados.

O desembargador gaúcho José Paulo Bisol, em 1992, disse que “os integrantes do Judiciário julgam-se sacrais. São os príncipes da República. Estão acima das leis. E essa sacralidade, que é gritante na magistratura, é um sinal de corrupção”. Interpelaram o magistrado gaúcho?

Os “ofendidos” sugerem que eu abdique da imunidade parlamentar para que eles me processem e me julguem. Isso é uma ameaça velada aos cidadãos, à OAB, à mídia, ou a qualquer um que ouse criticá-los. Estabelecem a ditadura do Judiciário. Eles querem que eu indique nomes. Eu quero sempre a mesma coisa: transparência.

Abram uma das caixas-pretas do Judiciário, mostrem os arquivos da corregedoria. Uma coisa é não haver corrupção, outra é não haver investigação.

Eu tenho medo dos desvairados que vasculham a minha vida pessoal e da minha família, que ameaçam com o “troco” quando eu “cair no Judiciário”. Aos que se sentiram tão ofendidos (e, como Hitler, tentam desclassificar o autor e não a ideia), eu pergunto: vocês têm medo de quê?


Fonte: www.espacovital.com.br e jornal Zero Hora.