segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Mulher de 102 anos luta para receber precatório

Por Marília Scriboni 

Há mais de três décadas, o marido de Alzira de Araújo morreu e deixou para ela uma pensão. No entanto, a cada ida ao banco, ela só recebia 75% do valor a que tinha direito. Em 2000, entrou na Justiça paulista para pedir a correção do benefício. Conseguiu o valor integral em 2001, mas a diferença dos atrasados nunca foi paga. Pela lei, a idosa de 102 anos deveria ter recebido o dinheiro em 2008. O revés se deu com a resolução do Conselho Nacional de Justiça, segundo a qual os entes devedores passariam a ter 15 anos para quitar suas dívidas. Com a novidade, Alzira pode ter que viver até os 117 anos para receber o que lhe é devido. A realidade da centenária é compartilhada por pelo menos outros 400 mil credores, somente no estado de São Paulo. Juntos, eles esperam para receber, um dia, R$ 20 bilhões. A gravidade do quadro, somada à idade avançada de muitos que esperam pela quitação dos débitos, mais o espírito empreendedor de investidores e empresas, têm levado ao desenvolvimento de uma nova modalidade comercial: a compra e a venda de precatórios, tudo nos conformes da lei. Um desses investidores foi procurar Alzira, oferecendo comprar seu título por cerca de 50% do valor de face. Ele chegou ao nome dela por meio do site do próprio Tribunal de Justiça de São Paulo. Em 2008, com a Emenda Constitucional 62, a responsabilidade pela elaboração de listas únicas recaiu sobre os Tribunais de Justiça do país. Com o pé atrás, sua filha, Edna de Araújo, de 60 anos, foi procurar o Marcatto, escritório voltado para a defesa de servidores públicos. Considerando algumas exceções pontuais, não vale a pena vender o precatório, por mais absurda que possa parecer essa afirmação se contraposta à caótica situação dos precatórios", alerta Rafael Jonatan Marcatto, sócio-fundador do escritório, membro da Comissão de Dívida Pública da Ordem dos Advogados de São Paulo e também membro do Movimento dos Advogados Credores da Administração Pública, o Madeca.
A notícia que o advogado traz pode ser animadora para os milhares de credores. Segundo ele, depois de anos de descaso com o credor alimentar, a tendência é que a situação mude em três ou quatro anos, quando a Administração Pública já vai ter dado conta de 95% do que deve. "Por muito tempo, só se pagou o [precatório] não-alimentar. O Judiciário percebeu a falha e está buscando formas de quitar os débitos da Administração Pública. O pagamento dos precatórios alimentares deixa as pessoas mais felizes, e isso interessa a muita gente", explica. Na carona dessa tendência, por exemplo, o governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, assinou um decreto determinando que 50% do montante previsto para o pagamento em 2010 seja obrigatoriamente destinado ao pagamento dos créditos por ordem crescente de valor. Ou seja, os R$ 2,4 bilhões serão distribuídos, de forma prioritária, aos que menos têm a receber.
Qualquer credor pode vender seu precatório. Porém, segundo Marcatto, o melhor a fazer, ainda, é esperar pelo desenrolar da história, "a não ser que a pessoa precise muito do dinheiro". E que história. Na maior parte das vezes, o valor que a pessoa consegue no mercado está muito abaixo do valor real do título. "A oferta é grande e a demora na execução do pagamento do precatório faz o valor pago pelas empresas cair", revela. A partir do momento em que o credor concordou em vender o precatório, ele deve observar todas as questões que merecem atenção em qualquer outro tipo de venda. Além disso, ele lembra que, ao repassar o direito de receber o débito a um terceiro, o credor "ajudará a aliviar cada vez mais a obrigação do estado de resolver definitivamente a questão". A responsabilidade do estado no assunto também é citada por outra advogada. A especialista em Direito Financeiro Eliane Izilda Fernades Vieira, do Fernandes Vieira Advogados Associados, vê esse tipo de transação com ressalvas. "A compra e a venda de precatórios é um calote institucionalizado. Quando o contribuinte deve, o Estado é feroz. Quando o inverso acontece, ele faz leis para o seu próprio bem. A Emenda Constitucional 62 só veio para favorecer o governo", opina. A emenda constitucional em questão mudou o regime do pagamento de precatórios, instituindo a fila dupla: de um lado, os credores alimentares e, de outro, os não-alimentares. Para os primeiros ficou decidido que assim que a decisão transitasse em julgado o valor deveria ser pago. Já o segundo grupo pode receber os valores em parcelas, que deverão ser pagas em no máximo dez anos. Em tese. O que se vê são credores vendendo seus precatórios por, no máximo, 30% do valor de face. Ou, como explica Eliane, "por 10% do que eles valem de verdade, já que as empresas não consideram a correção monetária no momento da compra". Para ela, o mais injustiçado com os as idas e vindas do tema é o credor. Para aquele credor que decidiu vender seu precatório não sair mais prejudicado ainda, Eliane sugere algumas precauções: lavrar o contrato em cartório e procurar os serviços de um advogado são atitudes que podem prevenir problemas no futuro. "Senão a pessoa para de esperar pelo precatório e começa a esperar pela Justiça", brinca. De qualquer maneira, como em qualquer contrato, o credor é protegido pelo Código Civil.

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